Fiquei baralhado, não sei se a minha namorada me disse para beber uma e voltar às onze ou para beber onze e voltar à uma. Quando olhei pró relógio e não vi os ponteiros achei que era altura de regressar a casa.
Levei uns quinze minutos a entrar no carro, mais trinta, menos cinco. O raio da chave não entrava nem à força e havia algo estranho a intrigar-me. Ia jurar que o meu carro era preto, até me conseguia lembrar vagamente de ter escolhido esta cor porque ficava bem num anúncio da T3. Talvez fosse a fraca iluminação da rua que lhe dava um tom esverdeado. Mas devia estar enganado, a minha memória já não é o que era e às vezes prega-me algumas partidas. Um certo dia, no cinema, ia jurar que a fulana sentada três cadeiras à minha esquerda era uma antiga namorada e só descobri o erro quando o marido me mandou verificar se os protestos sobre o mau atendimento nas urgências hospitalares não seriam um tanto exagerados.
Às tantas, não sei por que milagre, o carro emitiu um som, as luzes acenderam-se e um matulão deu-me um encontrão que quase me fez cair do alto dos meus tacões de centímetro e meio. Entrou no carro e abalou. Ora esta, pensei eu cá pra comigo, então este não era o meu carro? E lá dei mais umas voltas ao quarteirão, duas pela direita e uma pela esquerda. E não é que era mesmo preto? Bem que eu tinha razão!
Confesso que tive uma certa dificuldade com a marcha-atrás. Quem é que se ia lembrar que tinha de puxar o joystick pra cima e depois empurrar prá frente?
A meio do caminho fui mandado parar pela BT, mesmo à entrada da cidade. Eu não me sentia lá muito bem… A princípio nem percebi o que é que aqueles gajos vestidos de forma estranha queriam. Mandaram-me sair do carro e quase caí. Tropecei, bati com o queixo no canto da porta e vi um cometa a bater contra Júpiter. Juro! Era todo amarelo-alaranjado!
Mandaram-me soprar no balão. Eu não via balão nenhum, devia ser do escuro da noite. E se estavam à espera que um balão levantasse com o meu sopro não iriam longe. Desde que tivera tuberculose há sete anos atrás que os meus pulmões já não sopravam como antigamente.
Deram-me um tubozinho e disseram-me que aquilo era o balão. São muito estranhos, estes gajos, a chamar balão àquele tubozito. Lá agarrei naquilo. Tinha uma televisãozinha na ponta, não percebi para que seria. Apareciam lá uns números.
De repente um grande estrondo e um grande espalhafato. Um camião carregado de tijolos mandou a casa da esquina abaixo e espalhou os tijolos todos pela estrada.
Os polícias (os tais gajos vestidos de forma estranha eram polícias) correram em direcção ao acontecimento e mandaram-me embora.
Eu lá peguei no carro e fui pra casa todo contente.
No dia seguinte a minha namorada acordou-me e perguntou:
– Olha lá! O que é que faz um carro da Brigada de Trânsito na nossa garagem?!