Tutum tutum tum tum tum…
Tum tum tum… tutum tutum…
O som – som é uma forma de dizer, aquilo era mais uma espécie de poluição – vinha lá dos lados da rua das portas do santo. Antão, de seu nome, que isto de santos tem muito que se lhe diga. Há um para cada dia e um dia para eles todos. É um fartote! Agora que penso nisto verifico que esta coisa dos santos é um pouco racista. Há uns de primeira e uns de segunda. Alguns, muito poucos, dão até direito a um dia sem trabalho (gosto destes). Outros, coitados, ficam na molhada do dia de todos. O dia da manada!
O barulho estava a entrar no Rossio. E em todas as janelas até ao Chiado o que, às 23:17 de um domingo, não era lá muito agradável. Enfiou-se até pelo carro da polícia adentro, interrompendo o roncar de um e os assobios do outro. Meio assarapantados, tentaram determinar a origem. Tarefa difícil. A noite estava escura, os candeeiros estariam bem num velório e chuva intensa parecia fazer fumo ao bater no asfalto. Quem é que se atrevia a deitar a cabeça de fora? Eu não, mas eu também não sou polícia. Não que tenha algo contra os fardados e boina de pala, somente não poderia agora estar aqui a debitar a minha profunda sabedoria.
TUM TUM TUM … a coisa engrossava… Um berro lá do alto das águas furtadas obrigou à investigação do de nariz à Pinóquio e óculos à Zorro. Um marmita (usando a terminologia do DF, pois que pela do VV seria um marquês e na minha somente um palerma). O camarada, gingando de tronco nu, calções e chinelos, transportava a tolha num ombro, o direito, e um tijolo berrante (também conhecido em alguns locais por rádio), no esquerdo.
Estranho, pensou o polícia. O gajo deve ser maluco.
– Ouça lá, o que é que vossemecê anda aqui a fazer a estas horas com isso em altos berros? Para onde é que o senhor pensa que vai? Vamos lá a desligar isso e a mostrar os seus documentos, se faz favor. Com aquela chuva toda, se faz favor. Era um polícia educado.
– Hã? Hugh… Vou prá praia, não vê a toalha?
– Praia a estas horas e com este tempo? O senhor vai mas é entrar ali pró carrinho e esclarecer tudo na esquadra.
E lá o enfiaram no banco traseiro e zarparam em direcção aos Restauradores. Talvez fosse do frio, talvez da chuva, quiçá de terem sido acordados a meio do ronco, o certo é que não contaram com a habilidade do artista. Deixar-lhe o rádio foi a causa do desastre. Sintonizou uma onda, abriu a janela e saiu a nadar por ela fora. O de azul bem acelerou, mas a onda era forte e o carro avançava aos coices. Era uma daquelas carroças do tempo em que os T-Rex emboscavam os coitados dos brachiosaurus ali prós lados do Martim Moniz. E, azar dos azares, em frente ao cinema São Jorge, pufff! Um furo! Ah Ah! … o gajo vai safar-se!
– Porra, berrou o da esquerda, era só o que me faltava agora! Vá lá atrás tirar o macaco e muda o pneu. Porra (já tinha dito isto), logo tinha de ser eu a estar de serviço hoje. Há dias de manhã em que um gajo à tarde não pode sair à noite. Xiça! Vai lá, pá, eu já me encharquei todo a falar com o gajo.
Que remédio, o polícia maçarico lá teve de sair pró dilúvio. Abriu a mala e, ó raios, o macaco saltou e subiu pró alto do poste de iluminação!
E bem o tentaram chamar! Macaquinho, anda cá. Anda cá, macaquinho! Macaquinho, macaquinho… Hei! Hei!, ó macaquinho! Hei!, ó £@$§@, desce daí, porra!!!
Mas nada! Hihihih … hihihihi … e gozava, lá do alto do reino das vertigens…
– Vai ali à cervejaria e compra uns amendoins, eles gostam de amendoins… E gostava… E foram a sua perdição. Colocados na calçada, bem junto da base, foi num ápice que o animal desceu… E agarrado, enquanto olhava pró o pacote. Não conhecia aqueles, com a cara do Mantorras estampada na embalagem. (porque é que não deixam jogar o Mantorras?)
O símio seguro, o pneu trocado, o símio guardado, a mala fechada, os polícias sentados, as portas fechadas, lá foram de novo aos soluços, Avenida da Liberdade acima, Marquês, São Sebastião (esta coisa dos santos está a perseguir-me…), Praça de Espanha… E alcançaram o gajo em Sete-Rios. Prenderam-lhe os braços, tiraram-lhe o rádio, desligaram a onda e levaram-no para a esquadra de Santa Marta.
Não deviam. Antes tivessem optado pela de Carnide. Ao entrar, morreram todos afogados.
O chefe sofria de cataratas!